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Coração de médico tem que ser de aço - seus insensíveis!

  • Foto do escritor: mariafedaita
    mariafedaita
  • 25 de mai. de 2017
  • 2 min de leitura

Ontem chamaram-me de insensível.

Eram 19,40h, perto do fim do turno da tarde, a 20 minutos de sair, e disseram em voz alta que "eramos uma cambada de insensíveis" - Engoli. Mas senti-me inacreditavelmente sensível.

Eram 19,40 e estava uma grávida, ainda com umas incompletas 30 semanas, a chegar. Perdida, com um ar temivelmente assustado. Chamaram os anestesistas também. Tinha uma dor no peito, um aperto, umas tensões arteriais altíssimas e um medo escancarado na face. Em 2 minutos eram fios de eletrocardiogramas, sangue a ser colhido para análises, seringas com medicação, oxigénio e um medo estupefacto. Ao mesmo tempo, tranquilizámos a senhora, dentro do possível. Explicámos a situação e dei por mim a dar-lhe a mão. Tudo iria ficar bem. Estávamos ali, a dar o que sabíamos, para que tudo fosse ficar bem.

Eram 19,42 e chegou uma grávida, já com 40 semanas. Tinha 3 cm de dilatação, umas contrações quase de minuto em minuto e berrava desalmadamente. Também chamaram os anestesistas, porque era precisa uma epidural. Estavamos, ao mesmo tempo, a avaliar a outra grávida - porque havia suspeita de enfarte. Ouvíamos a senhora a gritar com dores, desesperada. Já com o bebé monitorizado. E ouvimos um homem, um provável marido, inquieto, alterado, a resmungar ativamente e em voz alta. A enfermeira aproximou-se e disse, doutoras, vão ter mesmo que ir ali fazer a epidural, a situação está a descontrolar-se, e o marido também, por sinal - pensei eu. Pedimos que aguardassem uns minutos enquanto terminávamos o eletrocardiograma e enquanto administrávamos a medicação à outra senhora. O marido gritava.

Aproximei-me. Ao que ele me diz.

-É você que é a anestesista?

- Sim, sou eu.

- Pois fique a saber que sou médico e vocês são uma cambada de insensíveis.

- Ouça colega, compreendo que esteja chateado com a situação e compreendo que a sua esposa esteja com dores. Gostava que compreendesse que tivemos, simultaneamente, uma situação urgente de uma grávida e foi por isso que não tratamos logo da sua esposa. Foi uma questão de prioridade.

- Mas eu sou médico e não aguento com tanta insensibilidade com uma grávida com dores.

Entretanto, já a colega do turno da noite estava a chegar. E foi prontamente tratar das dores da grávida e colocar o cateter epidural.

Tal como gosto de ter um cuidado "especial" quando vou a uma consulta ou fazer um exame, porque sou médica, também gosto de transmitir a colegas um cuidado "especial". Ainda momentos antes tínhamos exterminado as dores de uma colega médica.

Ah e tal, então não tratas todos iguais? Lá porque é medico tu es mais simpática?

Nada disso, não é desigualdade social ou profissional, mas digam o que disserem, a solidariedade entre nós médicos é forte, gostamos de mostrar um cuidado especial, é a verdade.

Na verdade, sou simpática com todos ou todas por que lá passam, médicos, engenheiros, empregados de balcão ou arrumadores de carro. Sou. Não o podem negar.

Ali, no momento em que a minha sensibilidade estava apuradíssima, chamaram-me de insensível.

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MARIA FEDAITA

SAÚDE E BEM ESTAR

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