"Por favor, não quero morrer!"
- mariafedaita
- 9 de ago. de 2017
- 2 min de leitura

Nestas andanças médicas, e muito mais agora no bloco operatório, continuo a achar e a dar valor à nossa capacidade para ter e manter o coração frio e distante.
Aprendemos, sem que ninguém nos ensine, a focar-nos no que tem que ser feito e a recalcar emoções.
Já faz parte do dia-a-dia chegar de manhã bem cedo e ouvir "O que eu tenho realmente medo é da anestesia", "Dra por favor não se esqueça de me acordar" ... Faz parte do nosso papel acalmarmos os doentes, explicar os riscos, mas mostrar de forma confiante que estamos lá, que estamos com eles. E resulta. Conseguimos suavizar a ansiedade de alguns, tranquilizar uns quantos.
Tenho pouco tempo disto, é verdade. Mas ganhamos logo defesas, criamos inevitavelmente barreiras aos nossos sentimentos. Vêem-se muitas histórias dramáticas no bloco operatório. Passamos varios momentos de felicidade, quando tudo corre bem, quando encontramos uma senhora bem disposta e com bom humor, quando trazemos um bebé ao mundo ... Mas passamos por muitos apertos de alma: constantes e cada vez mais, ultimamente.
Pessoas jovens com neoplasias incuráveis, idosos mal cuidados e debilitados, pessoas confusas em fim de vida e que, mesmo assim, investem na ultima esperança que mora por ali. E isso, sim, custa.
O ritual do "Agora vai chegar o sono. Pense em coisas boas. Bons sonhos" às vezes sai com um nó na garganta quando antes nos dizem "Doutor, por favor, não quero morrer". E acreditem ou não, só ouvimos isto de quem está verdadeiramente em perigo de vida, ou próximo do fim, em sofrimento. Porque, acredito eu, sentem realmente o que virá. Fazemo-nos de indiferentes, apenas para apaziguar o que estamos verdadeiramente a sentir, porque alguém que não quer morrer, apenas deseja que nós façamos o nosso melhor, o que pudermos, o que soubermos, o que for possível.
E quando tudo acaba, não digam que voltamos indiferente à nossa vida fora do hospital. Podemos sim, fazermos-nos outra vez de indiferentes. O aperto, esse vai connosco.
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